quarta-feira, 12 de outubro de 2011

MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA – ESTRATÉGIAS DE AÇÃO


A chefe de família monoparental tem poder e responsabilidade pela manutenção do grupo familiar. Há ônus e bônus no exercício desta função. A relativa autonomia da mulher é, sem dúvida, um dos bônus.

A sobrecarga dos trabalhos produtivo e reprodutivo faz parte dos ônus. Na família tradicional, as tarefas produtivas estiveram reservadas aos homens e as reprodutivas às mulheres. O final do século XIX e início do século XX, entretanto, outro tipo de família começa a aparecer no Brasil. A abolição da escravatura possibilita a constituição de famílias negras chefiadas por mulheres. Ao que parece, o mercado de trabalho, naquele momento, foi muito mais racista em relação aos homens negros do que em relação às mulheres, impossibilitando a eles assumir a função de provedor e chefe de família. O que não significa, evidentemente, que as mulheres tenham conseguido novos espaços. Elas continuaram no trabalho doméstico ou em outras atividades de baixa remuneração, decorrentes das habilidades que adquiriram no próprio trabalho doméstico.

As mulheres brancas, entretanto, salvo exceções, só foram assumir um lugar no mercado de trabalho bem mais tarde. E depois disto, já na segunda metade do século passado, é que passam a assumir a condição de chefe de família.

Mas quando se trata de uma família monoparental, não é só a dupla jornada que não encontra apoio. A manutenção da casa se faz com a remuneração de uma única pessoa. E se ela for do sexo feminino e negra, a sua remuneração corresponderá a ¼ da de outra pessoa do sexo masculino e branca. Premidas pela dupla jornada, dificilmente as mulheres que chefiam as suas famílias encontram tempo para encaixar mais uma atividade que lhe acrescente renda; muito menos para investir em sua carreira profissional.

Há que se garantir direitos e desenvolver políticas públicas para superar tais iniqüidades, mas não é só isto. Também, é necessário que se opere uma mudança cultural sobre a (ir)responsabilidade paterna e sua função social, que vai desde a estímulo e a abertura de possibilidades para o compartilhamento, entre homens e mulheres, das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos até a condenação do abandono paterno. Tal mudança favorece especialmente às chefes de família monoparentais, dado que em sua maior parte elas são
separadas, divorciadas ou desquitadas e têm filhos.

Queremos aqui chamar a atenção para os efeitos nefastos que se observa a partir da articulação entre racismo e sexismo na vida das mulheres chefes de família. A trajetória das mulheres negras e de suas/seus descendentes, desde a abolição da escravatura até os dias de hoje, é uma demonstração inequívoca do grau de injustiça social que estes elementos articulados podem fazer perpetuar. As desigualdades de gênero e raça são estruturantes e para combatê-las exige-se medidas estruturais. O caminho para a solução dos problemas enfrentados pelas mulheres, e pelas chefes de família de maneira mais exacerbada, não tem soluções específicas. Neste sentido, recuperamos muitos dos itens da lista de problemas das mulheres chefes de família, levantada pelo professor Parry Scott (abaixo), que nos parece bastante lúcida para orientar a definição de políticas públicas prioritárias:

Nas áreas de trabalho e renda:

1. ser provedora principal e ter baixa renda

2. precisar conciliar trabalho produtivo e remunerado com o da reprodução social

3. precisar de apoio para cuidar dos/as dependentes

4. sofrer frequentemente exclusão do emprego por causa das demandas de casa

5. ser excluída de direitos da previdência social

6. ser difícil o acesso aos créditos

Na área de Educação:

1. ausência de creches públicas para seus filhos/as

2. ausência de escolas em período integral que dêem apoio a/ao

aluna/o nas tarefas extra-classe.

3. precisam de capacitação para entrar no mercado de trabalho

4. dificuldade em dar continuidade aos próprios estudos

Na área de Saúde:

1. Habitam em condições insalubres

2. convivem com altas incidências de morbidade em casa

3. sofrem prejuízos por terem que dedicar tempo ao acompanhamento dos doentes

4. têm demandas não atendidas e diferenciadas para a regulação da fecundidade e prevenção de DST/AIDS

Na área da Justiça

1. precisam de apoio jurídico para manter a guarda dos filhos

2. precisam de apoio jurídico para assegurar o recebimento de pensão alimentícia

3. precisam de apoio jurídico para a investigação de paternidade

4. convivem com maior insegurança nos seus espaços habitacionais

Na área de direitos humanos

1. sofrem discriminações sexistas e racistas que obstruem o acesso aos direitos humanos

Na área da Agricultura

1. perdem acesso à terra por falta de um companheiro convivente

2. se assalariam em condições muito precárias

3. não têm acesso a financiamentos para investimento em agricultura

4. a falta de gente adulta no grupo familiar para trabalhar a terra reduz a produtividade.

Visto desta maneira, os problemas enfrentados pelas mulheres chefes família só encontram solução se houver vontade política para instituir o princípio da equidade de gênero e étnico racial como orientador do programa de governo e das políticas sociais que dele derivem. Em termos específicos, o mais apropriado nos parece ser garantir prioridade em determinados serviços públicos às mulheres chefes de família, e estruturar redes locais de referência e contra-referência, para facilitar à pessoa nestas condições o acesso mais rápido à informação e o acesso mais rápido aos serviços, já que o tempo é um dos bens mais escassos entre as chefias monoparentais.

Extraído da Apresentação do Pré-Evento Mulheres Chefes de Família: crescimento, diversidade e políticas, realizado em Ouro Preto-MG pela CNPD, FNUAP e ABEP.

Outras bibliografias consultadas:

CARVALHO, Luíza M. S. Santos. A mulher trabalhadora na dinâmica da manutenção e da chefia familiar. In Revista Estudos Feministas, vol.6, nº 1/98. IFCS/UFRJ. Rio de Janeiro, 1998.

BENTO, Maria Aparecida Silva. Raça e gênero no mercado de trabalho. In Trabalho e gênero – mudanças, permanências e desafios / Maria Isabel Baltar (org). ABEP, NEPO/UNICAMP e CEDEPLAR/UFMG

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